Conhecida como Pesquisa da teoria fundamentada, teoria fundamentada, teoria fundamentada em dados ou grounded theory, surgiu em 1967, sendo proposta por Barney Glaser e Anselm Strauss em seu livro The discovery of grounded theory, que se baseia principalmente no interacionismo simbólico. Com o tempo outros autores a desenvolveram em diversas direções. A ideia básica da pesquisa da teoria fundamentada é que as proposições teóricas surgem dos dados obtidos na pesquisa, mais do que dos estudos anteriores. É o procedimento que gera o entendimento de um fenômeno. (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
Apesar da colaboração dos desenvolvedores do projeto qualitativo da teoria fundamentada, os dois autores acabaram discordando quanto ao significado e aos procedimentos da pesquisa da teoria fundamentada. Glaser criticou a abordagem de Strauss como uma teoria fundamentada muito prescrita e estruturada. Mais recentemente, Kathy Charmaz defendeu a teoria fundamentada construtivista, introduzindo assim outra perspectiva ao diálogo sobre procedimentos, oferecendo uma perspectiva construtivista e interpretativa sobre a teoria fundamentada. Por meio dessas diferenças, ganhou popularidade em campos como a sociologia, enfermagem, educação e psicologia, como também em outros campos das ciências sociais, (CRESWELL, 2014).
A teoria fundamentada é um processo de pesquisa relativamente recente com algumas semelhanças com a pesquisa-ação, sendo adequada, principalmente, para fins de dissertações de mestrado ou teses de doutorado. (RICHARDSON, 2017).
Também conhecida como teoria fundamentada em dados, a grounded theory surgiu nos Estados Unidos, como mais uma alternativa às avaliações qualitativas. Buscando a construção de uma teoria ao longo do desenvolvimento do trabalho de campo. A teoria indutivamente derivada dos dados é a teoria substantiva, ou seja, o resultado representativo da realidade dos sujeitos e situações estudadas. (MARTINS; THEÓPHILO, 2018).
Segundo Gil (2019a) a grounded theory apresenta alguns pontos de semelhança com a pesquisa fenomenológica, pois enfatiza a subjetividade da realidade construída pelos respondentes. Assim como na fenomenologia, a teoria fundamentada (grounded theory) pode ser definida como uma metodologia interpretativa. Porém se distingue da fenomenologia em vários aspectos. Sobretudo porque enquanto a pesquisa fenomenológica fundamenta-se essencialmente na experiência subjetiva dos indivíduos, a grounded theory requer a interação com a realidade dos sujeitos e a interpretação dos dados do pesquisador.
Na grounded theory, o pesquisador mediante diversos procedimentos, reúne um volume de dados referente a determinado fenômeno. Após compará-los, codificá-los e extrair suas regularidades, conclui com uma teoria que emerge desse processo de análise. Seu produto é, pois, uma teoria fundamentada nos dados.
O que é Pesquisa da Teoria Fundamentada?
A pesquisa da teoria fundamentada ou grounded theory é uma metodologia de pesquisa geradora de teoria. O produto final da pesquisa é uma série de conceitos fundamentados e integrados em torno de uma categoria ou questão central para formar um arcabouço teórico que explique como e por que pessoas, organizações, comunidades ou nações experimentam e reagem de determinada forma a acontecimentos, desafios ou situações problemáticas. (CORBIN, 2015).
Outros conceitos de Pesquisa da Teoria Fundamentada
A pesquisa da teoria fundamentada é uma estratégia de investigação em que o pesquisador deriva uma teoria geral, abstrata, de um processo, ação ou interação fundamentada nos pontos de vista dos participantes. Esse processo envolve o uso de muitos estágios da coleta de dados e o refinamento e a inter-relação das categorias de informação. (CRESWELL, 2010).
A teoria fundamentada é um projeto de pesquisa qualitativo em que o investigador gera uma explicação geral (uma teoria) de um processo, uma ação ou uma interação moldada pelas visões de um grande número de participantes. (CRESWELL, 2014).
A pesquisa da teoria fundamentada é uma variante da pesquisa qualitativa que enfatiza a coleta de dados sobre a ocorrência natural de comportamento social em contextos da vida real, não tolhido pelas categorias e concepções prévias de um pesquisador. Envolve a eventual derivação das categorias relevantes como parte da análise de dados, porém as categorias emergentes são derivadas “de baixo para cima” e daí ser “fundamentada” na realidade original. Ela presume a ocorrência natural do comportamento social em contextos da vida real. (YIN, 2016).
A teoria fundamentada é um método prático para a realização de pesquisas que enfoquem processos interpretativos, analisando a produção efetiva de significados e conceitos por atores sociais em situações reais. Simplificando, a teoria fundamentada (Grounded Theory) é uma metodologia para se desenvolver teoria fundamentada em dados que são sistematicamente coletados e analisados. (RICHARDSON, 2017).
A grounded theory é uma modalidade pesquisa qualitativa construída através da coleta seletiva de dados, da categorização de dados e da saturação teórica. (MARTINS; THEÓPHILO, 2018).
Metodologia da Pesquisa de Teoria Fundamentada
A metodologia da teoria fundamentada foi desenvolvida como uma reação contra o positivismo extremo que permeava a pesquisa social, sendo questionada a forma como as ciências sociais eram tratadas seguindo os princípios das ciências naturais. (RICHARDSON, 2017). Pode-se encontrar diferentes abordagens de acordo com os autores, conforme explicaremos a seguir:
Metodologia na abordagem de Barney Glaser e Anselm Strauss
A metodologia da teoria fundamentada, estilo Strauss e Corbin, é estipulada por categorias identificadas em torno do fenômeno central. Elas consistem em condições causais (quais fatores causaram o fenômeno central), estratégias (ações tomadas em resposta ao fenômeno central), condições intervenientes e causais (fatores situacionais amplos e específicos que influenciam as estratégias) e consequências (resultado do uso das estratégias). Essas categorias se relacionam e giram em torno do fenômeno central em um modelo visual chamado paradigma de codificação axial. O passo final, então, é a codificação seletiva, em que o pesquisador toma o modelo e desenvolve proposições (ou hipóteses) que inter-relacionam as categorias no modelo ou constrói uma história que descreva a inter-relação das categorias no modelo. Essa teoria, desenvolvida pelo pesquisador, é articulada até o fim de um estudo e pode assumir diversas formas, como uma declaração narrativa, uma imagem visual ou uma série de hipóteses ou proposições. (CRESWELL, 2014).
Metodologia na abordagem de Barney Glaser
A metodologia da teoria fundamentada, estilo Glaser, é uma metodologia emergente que abrange visão geral; teste de hipóteses versus surgimento de dados; coleta de dados; anotações; codificação; amostragem; elaboração dos memos (memoing); classificação e elaboração do relatório.
a) Visão geral
Uma vez que a finalidade da pesquisa é gerar teoria, não é preciso começar o estudo com um arcabouço teórico ou conjunto de conceitos predefinidos. No entanto, o pesquisador pode ter uma concepção geral, ou seja, um sistema subjacente que influi nas perguntas feitas e no enfoque adotado quanto a análise, motivo pelo qual é importante os pesquisadores esclarecem sua filosofia e seus pressupostos subjacentes ao apresentar sua teoria final. (CORBIN, 2015).
A teoria fundamentada começa com uma situação de pesquisa. Nessa situação, a tarefa do pesquisador é compreender o que está acontecendo e como os participantes administram seus papéis, sendo realizado através da observação, conversa e entrevista. Após cada fase de coleta de dados, devem-se anotar as questões-chave, o que chamamos de “anotações”. O processo de comparação é o coração da teoria fundamentada. Em primeiro lugar comparam-se os resultados das entrevistas (ou outros dados) entre si e assim, rapidamente a teoria começa a surgir. Nesse momento, comparam-se os dados com a teoria.
Os resultados das comparações são escritos nas “anotações” (note-taking) como codificação. Nesse caso, a tarefa do pesquisador é identificar categorias (equivalentes a temas ou variáveis) e suas propriedades (suas subcategorias).
Conforme avança o processo de codificação, o pesquisador identificará algumas proposições teóricas. Elas podem apresentar relações entre categoria ou aspectos de uma categoria fundamental para a pesquisa. À medida que emergem categorias, propriedades e relações, avança a fundamentação de uma teoria. As anotações que se façam desse processo são identificadas como memoing ou memorandos (teorização de ideias que surgem das categorias). Enquanto avança o processo de coleta de dados e codificação, os memos (memorandos) vão acumulando. O uso de uma amostragem teórica permite acrescentar ao tamanho da amostra. Essa amostragem intencionada aumenta a diversidade da amostra na procura de propriedades diversas. Se satura a categoria de base e aquelas relacionadas com ela, já não sendo necessário acrescentar mais dados. É o momento da classificação. Agrupam-se os memos por semelhança, organizando-os de maneira que permitam uma melhor clareza da teoria.
A bibliografia é procurada quando se faz necessária, não tem tratamento especial. Para Glaser, quase toda investigação, incluindo a pesquisa qualitativa, visa testar alguma hipótese. A ordem dos memos proporciona o esqueleto do trabalho e muitos conceitos da investigação. É o começo do relatório. Em resumo, a coleta de dados, as anotações, a codificação e o “memoing” acontecem simultaneamente desde o início. A classificação é feita quando todas as categorias estão saturadas. Após feita a classificação proceder-se-á à escrita. Cabe lembrar que a teoria é emergente – descoberta a partir dos dados, assim como a metodologia também pode ser. (RICHARDSON, 2017).
b) Teste de hipóteses versus surgimento de dados
Uma vez que os conceitos formam o alicerce da teoria, o primeiro passo no desenvolvimento de uma teoria fundamentada é a “identificação de conceitos”. A descoberta de conceitos começa na teoria fundamentada com as primeiras entrevistas ou observações. Convém salientar sempre a importância de alternar a coleta de dados com a análise, pois é assim que os pesquisadores podem fazer a amostragem teórica necessária para estruturar categorias em função de suas propriedades e dimensões. A análise resulta na identificação de conceitos e estes é que determinam o que o pesquisador vai procurar (além de tudo o que for novo) ou o tipo de perguntas que ele há de fazer nas seguintes entrevistas. (CORBIN, 2015).
A maior diferença entre a pesquisa fundamentada de teoria fundamentada e muitas outras pesquisas é que a primeira é absolutamente emergente. Não testa uma hipótese. Procura encontrar qual teoria explica melhor a situação de pesquisa tal como se apresenta. Nesse sentido, é semelhante à pesquisa-ação: o objetivo é compreender a situação de pesquisa. O alvo, como Glaser afirma, é descobrir a teoria implícita nos dados.
Realizar teoria fundamentada integra um processo de desaprender ou descontruir um pouco do que foi ensinado ou adquirido através da formação acadêmica. Se julgar a teoria fundamentada utilizando os critérios aprendidos na pesquisa de teste de hipóteses, poderão ocorrer muitos erros. Em particular, o lugar da literatura é bastante diferente. Também, a maneira em que tanto a metodologia quanto a teoria se desenvolvem gradualmente com acúmulo de dados (informações) e interpretações.
Em geral, os juízos emitidos sobre o rigor da pesquisa baseiam-se, muitas vezes, em critérios estreitos que fazem sentido apenas para a metodologia para o qual foram desenvolvidos. A teoria fundamentada tem suas próprias fontes de rigor. Responde à situação em que a pesquisa é feita. Há uma busca contínua de evidências que invalidam a teoria emergente. Está de tal modo orientada pelos dados que possivelmente a forma final da teoria proporcionará uma boa explicação da situação encontrada. (RICHARDSON, 2017).
c) Coleta de dados
Frequentemente, as entrevistas serão a fonte principal de informações para desenvolver a teoria. Mas pode-se utilizar qualquer técnica de coleta de dados. Os grupos focais são importantes em pesquisa qualitativa e, evidentemente, são adequados para serem utilizados na teoria fundamentada. O mesmo acontece com conversas informais, discussões de grupo ou qualquer atividade individual ou grupal que proporcione informações. (RICHARDSON, 2017).
A coleta seletiva de dados (theoretical sampling) consiste no processo de coletar dados para gerar teoria. Essa coleta seletiva tem como ponto de partida a decisão inicial da coleta de dados, a qual é baseada apenas em uma perspectiva sociológica geral da área ou dos sujeitos a serem pesquisados, ou seja, a decisão inicial não é baseada em uma estrutura teórica preconcebida. Dessa maneira o pesquisador coleta, codifica e analisa seus dados. Com base na análise dos primeiros casos, decide qual o próximo dado a coletar e onde encontrá-lo, ou seja, na medida em que o pesquisador evolui com as comparações entre vários casos, a teoria vai emergindo.
A saturação teórica é conseguida a partir de tipos diferentes de dados. Para a Grounded Theory, nenhuma técnica para coleta de dados é necessariamente a mais apropriada. Tipos diferentes de coleta de dados dão ao analista diferentes visões, a partir das quais ele vai construir, ou resgatar de outros estudos, categorias e desenvolver suas propriedades.
Portanto, a questão básica, na coleta seletiva dos dados, é: quais são os próximos grupos ou subgrupos a serem pesquisados, e para preencherem qual lacuna teórica? Em resumo, como selecionar múltiplos grupos de comparação? As possibilidades de múltipla comparação são infinitas, e assim, os grupos devem ser escolhidos de acordo com o critério teórico. O critério básico que orienta a seleção dos grupos de comparação é a sua relevância para promover a emergência de categorias. (MARTINS; THEÓPHILO, 2018).
O procedimento mais adotado para coleta de dados na grounded theory é a entrevista, que é dirigida não a integrantes de uma categoria específica, mas a pessoas que de alguma forma se relacionam com o fenômeno a ser pesquisado. Não se estabelece nas entrevistas um roteiro prévio, nem é preciso garantir que as mesmas perguntas sejam feitas a todos os informantes. Mas é necessário que ao longo do processo o entrevistador vá se perguntando: O que está acontecendo? Qual é a situação? O que de fato esta pessoa está querendo dizer? Que categorias de análise sugerem estas respostas? (GIL, 2019b).
O pesquisador realiza de 20 a 30 entrevistas baseadas em várias visitas “ao campo” para coleta de dados a fim de saturar as categorias (ou encontrar informações que continue a se somar a elas até que não possa ser encontrada mais nenhuma). Uma categoria representa uma unidade de informação composta de eventos, acontecimentos e exemplos. O pesquisador também coleta e analisa observações e documentos, mas essas formas de dados não são usadas frequentemente. Enquanto o pesquisador coleta dados, ele inicia a análise. (CRESWELL, 2014).
Alguns pesquisadores continuam a colher dados até descobrirem um “caso negativo”. Se o pesquisador pensa em termos de conceitos e determinação de propriedades e gamas dimensionais e não de casos, o caso negativo representa um ponto no leque de possibilidades com relação ao conceito. O caso negativo não necessariamente contradiz a formulação teórica do pesquisador, mas amplia o alcance da teoria ao expandir suas possibilidades. (CORBIN, 2015).
d) Anotações
Na maior parte da pesquisa qualitativa, o texto original é um conjunto de notas de campo e, portanto, em sua base de dados organizada será constituída de itens específicos, tais como ações e eventos de campo, objetos e opiniões específicas, explicações e outras visões expressadas por entrevistados. Associados a esses itens haverá detalhes altamente contextualizados, tais como a hora do dia, o lugar e as pessoas envolvidas em cada item. Cada item será, portanto, único.
Ambientes de campo podem ser definidos como grupos de pessoas não relacionadas. Elas podem ter alguma condição comum, tais como um problema de saúde ou indisposição física semelhante, mas não interagem enquanto grupo, residem em áreas geograficamente próximas, ou atuam como membros de ambientes institucionais semelhantes. Essa definição tem se destacado na pesquisa da teoria fundamentada. (YIN, 2016).
Glaser não recomenda o uso de gravação ou anotações durante uma entrevista ou algum outro tipo de sessão de coleta de informações, particularmente, ao considerar o tempo utilizado para transcrever uma entrevista. Mas, consideramos importante anotar aspectos-chave que possam ser utilizados em entrevistas posteriores. Além disso, é importante gravar as entrevistas para compará-las com as anotações feitas. A codificação (ponto seguinte) será mais fácil quando feita ao lado das anotações da entrevista. (RICHARDSON, 2017).
e) Codificação
Os diversos métodos, incluindo todas versões criadas em casa, irão se reduzir a uma escolha crucial: codificar parcelas do texto – ou seja, atribuir novos rótulos ou códigos a palavras, expressões ou outros blocos de dados em uma base de dados – ou não. (YIN, 2016).
Seja na realidade ou na imaginação, o pesquisador tem à frente um conjunto de notas da entrevista. O primeiro a se fazer é identificar, no início das anotações, algumas informações sociodemográficas da pessoa entrevistada (o que poderá ajudar a identificar propriedades). A codificação é iniciada quando se examina uma frase por vez da seguinte forma:
- Comparação Constante:
Para a primeira entrevista o pesquisador pergunta: o que está acontecendo aqui? Qual é a situação? Como a pessoa está enfrentando essa situação? Portanto, quais categorias (plurais) são sugeridas por essa frase? Codifica-se a segunda entrevista tendo em mente a primeira. O mesmo acontece com entrevistas subsequentes (ou dados provenientes de outras fontes), que se codificam com a teoria emergente em mente. Inicialmente compara-se o conjunto de dados a outro conjunto de dados, e mais tarde o conjunto de dados à teoria. À medida que se efetua as entrevistas, podem surgir novas ideias teóricas que deverão ser anotadas imediatamente. Por isso a importância das fichas pautadas. Esse processo de obtenção de informações a partir da coleta de dados e de comparação com as categorias que estão emergindo é chamado de método de análise comparativa constante.
- Categorias e propriedades:
Uma categoria é um assunto ou variável que dá sentido às informações do entrevistado. Interpreta-se à luz da situação estudada, de outras entrevistas e da teoria emergente. Por exemplo, a “organização” pode ser considerada uma categoria provisória. Qual é a diferença entre as duas frases sobre organização? Uma faz referência a organizar o tempo, enquanto a outra, a organizar o trabalho. Tanto tempo quanto trabalho podem chegar a constituir uma propriedade ou uma subcategoria, da ação.
- Categoria principal ou base:
Após algum tempo, uma categoria (às vezes mais) poderá aparecer com muita frequência e, talvez, ligada a outras categorias emergentes. Esta é a categoria principal. É pouco recomendável escolher muito cedo uma categoria de base. No entanto, quando resulta evidente que uma categoria é mencionada muitas vezes e está bem ligada a outras categorias, pode-se adotar como a categoria principal. (Se surge mais de uma categoria principal, Glaser e outros autores recomendam trabalhar uma por vez. Se o pesquisador desejar, a outra pode ser analisada posteriormente). Quando se identifica uma categoria principal, o pesquisador deixa de codificar frases que não façam referência a essa categoria. Assim, no decorrer do estudo, a codificação torna-se mais rápida e eficiente. Codifica-se a categoria principal, categorias relacionadas a ela e as propriedades de ambas. Os memos são utilizados para registrar as relações identificadas entre categorias. É importante fazer isso, acrescentando à amostra quando necessário até conseguir a saturação.
- Saturação:
Na coleta e interpretação dos dados relacionados à determinada categoria, no transcurso do tempo, chega-se a um ponto no qual as descobertas começam a diminuir. Eventualmente, as entrevistas ou fontes não acrescentam mais nada ao que o pesquisador sabe sobre a categoria, suas propriedades e relações com a categoria principal. Quando isso acontecer, termina a codificação dessa categoria.
f) Amostragem
Os participantes entrevistados são teoricamente escolhidos (chamados de amostragem teórica) para ajudar o pesquisador a formar a teoria da melhor maneira possível. Quantas idas serão feitas até o campo irá depender da saturação das categorias de informação, e da elaboração da teoria em toda sua complexidade. (CRESWELL, 2014).
Em geral, a amostra inicial será definida pela escolha que o pesquisador faça da situação de pesquisa. Se houver muitas pessoas associadas com a situação, pode começar organizando uma amostra o mais diversa possível. Cabe lembrar que as categorias surgem dos dados coletados. Portanto, é importante procurar obter uma amostra diversificada. A finalidade da pesquisa é fortalecer a teoria fundamentada, definindo as propriedades das categorias e como elas medeiam a relação entre as categorias. A amostra surge da situação real. O mesmo acontece com a teoria e a metodologia. (RICHARDSON, 2017).
Ao escolher grupos por relevância teórica, duas questões estratégicas surgem: a primeira, sobre o número de grupos com os quais trabalhar. E a segunda, até que grau os dados devem ser coletados em cada grupo. O pesquisador não pode definir, a princípio, quantos grupos irá pesquisar durante o seu trabalho. O critério para julgar quando parar de pesquisar os diferentes grupos relacionados a uma categoria é a saturação teórica.
A profundidade da amostra teórica se refere à quantidade de dados coletados em um grupo e em uma categoria. A grounded theory não prevê que se levantem todas as categorias e todas as propriedades de todos os grupos, exceto no começo da pesquisa, quando as principais categorias ainda estão emergindo. A ideia geral é que o pesquisador deve se aprofundar em uma categoria até chegar à sua saturação. Mas, para isso, existem ênfases diferentes. Todas as categorias teóricas que têm maior poder explanatório (core categories) devem ser saturadas o mais completamente possível. Os esforços para saturar as categorias teóricas menos relevantes não devem ser feitos ao mesmo custo de saturar as categorias principais. (MARTINS; THEÓPHILO, 2018).
g) Elaboração de memos (memoing)
Os memos analíticos têm um papel importante no desenvolvimento da teoria. Eles são criados para documentar as principais decisões e avanços (categorização, escolha da categoria central, das condições causais, intervenientes etc.; sequências, vínculos, pensamentos, busca de novas fontes de dados, ideias). podem ser longos ou curtos, mais gerais ou específicos, mas sempre relacionado com a evolução da teoria e sua fundamentação. (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
A elaboração de menos é feita paralelamente à coleta de informações, anotações e codificação. Em poucas palavras, um memo é uma anotação sobre alguma hipótese levantada pelo pesquisador sobre uma categoria ou propriedade, e, particularmente, relações entre categorias. Cabe recomendar o uso de fichas pautadas para elaboração de cada memo.
No transcurso do tempo, a categoria principal e as categorias a ela relacionadas estarão saturadas. Nesse momento, o pesquisador terá acumulado muitos memorandos. A partir deles surgirão os diversos aspectos da teoria emergente (fundamentada). Em suma, ao utilizar a metodologia da teoria fundamentada o pesquisador assume que a teoria está implícita em seus dados, o que ele pode explicitar. A codificação torna visíveis alguns de seus componentes e a elaboração de memos acrescenta as relações que ligam as categorias entre si. (RICHARDSON, 2017).
À medida que se vai avançando nas entrevistas, o pesquisador vai promovendo sucessivas comparações e a teoria vai emergindo. Por essa razão é que se torna de grande importância ao entrevistador elaborar memorandos, ou seja, anotar ideias significativas para a construção da teoria à medida que estas forem surgindo. (GIL, 2019b).
h) Classificação
O propósito de tentar codificar itens é começar a passar metodicamente para um nível conceitual mais elevado o que permitirá posteriormente a classificação de itens e registros diferentes, tais como em grupos semelhantes e dessemelhantes. Uma vez classificadas, as características relacionadas desses grupos podem ser mais bem examinadas e compreendidas. (YIN, 2016).
O uso de fichas pautadas tem duas vantagens. Em primeiro lugar, são fáceis de transportar e, em segundo lugar, são mais fáceis de classificar. Para classificar os memos é recomendável agrupá-los com base na semelhança das categorias ou propriedades referidas. Em seguida, organizá-los procurando as relações implícitas ou explícitas. A intenção é representar em um grande espaço bidimensional a estrutura do relatório de pesquisa. Posteriormente, agrupar as fichas em uma sequência que permita a descrição da estrutura. Isso proporciona as bases para a elaboração do relatório.
O objetivo da classificação é decidir como estruturar o relatório para tornar pública a teoria emergente. Em geral, a análise dos dados na interpretação do investigador, com base em “sua” concepção sobre o fenômeno, implica acrescentar ao conhecimento teórico existente o olhar do pesquisador. Assim, o pesquisador analisa os dados a partir da sua própria visão sobre a situação, integrando ao trabalho suas posições, perspectivas e interações com os participantes.
i) Elaboração do relatório
Uma vez cumpridas as etapas anteriores de codificação, memoing e classificação, a estrutura de classificação está pronta, o que corresponde à estrutura do relatório. O passo seguinte consiste em preparar um primeiro rascunho, escrevendo as fichas sequencialmente e integrando-as a um argumento coerente. (RICHARDSON, 2017).
Tipos de Codificação
A codificação é o elo fundamental entre a coleta de dados e o desenvolvimento de uma teoria emergente para explicar esses dados. Pela codificação, se define o que ocorre nos dados, se iniciando um debate dos seus significados. Através de uma codificação cautelosa, é possível começar a tecer dois dos principais fios da teoria fundamentada: os enunciados teóricos passíveis de generalização que transcendem épocas e lugar específicos e as análises contextuais das ações dos eventos.
A respeito da codificação de dados, Strauss e Corbin, a consideram um dos momentos mais importantes da teoria fundamentada e propõem decompor esse processo em uma variedade de atividades que permitirão ao investigador compreender a lógica subjacente à utilização dessa metodologia. Assim distinguem três tipos de codificação: aberta, axial e seletiva.
a) Codificação aberta: processo por meio do qual se identificam os conceitos e no qual se descobrem as suas propriedades e dimensões nos dados. Componentes da codificação aberta:
- Fenômenos: ideias centrais nos dados, representados como conceitos.
- Conceitos: bases fundamentais da teoria.
- Categorias: conceitos que representam fenômenos.
- Propriedades: características de uma categoria.
- Dimensões: escala em que variam as propriedades gerais de uma categoria e que permitem obter as especificidades da categoria e mudanças da teoria.
- Subcategorias: conceitos que pertencem a uma categoria e lhe proporcionam clareza e especificidade.
A codificação aberta inclui as atividades de quebrar, examinar, comparar, conceituar e categorizar os dados que serão resumidos em uma linha ou códigos e categorias. Nessa etapa, o pesquisador deve dividir os dados em fragmentos menores, também, chamados de incidentes, linha a linha, frase a frase ou sob qualquer outro critério, desde que a unidade de análise possua sentido por si só, para poder interpretar esses fragmentos, dando sentido a eles. (RICHARDSON, 2017).
Na codificação aberta, o pesquisador forma categorias de informações sobre o fenômeno que está sendo estudado, segmentando informações. Dentro de cada categoria, o investigador encontra várias propriedades, ou subcategorias e procura dados para dimensionar. (CRESWELL, 2014).
Lembramos que nessa codificação o pesquisador revisa todos os segmentos do material para analisar e gerar – por comparação constante – categorias iniciais de significado. Elimina assim a redundância e desenvolve evidência para as categorias (vai para outro nível de abstração). As categorias se baseiam nos dados coletados (entrevistas, observações, anotações e outros dados). As categorias têm propriedades representadas por subcategorias, que são codificadas (as subcategorias fornecem detalhes de cada categoria). (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
b) Codificação axial: processo de relacionar as categorias e suas subcategorias. Denominada “axial” porque a codificação ocorre em torno do eixo de uma categoria, a qual vincula a suas propriedades e dimensões.
Para Strauss e Corbin as tarefas básicas da codificação axial são:
- Organizar as propriedades de uma categoria e suas dimensões, uma tarefa que começa na codificação aberta;
- Identificar a variedade de condições, ações/interações e consequências associadas a um fenômeno.
- Relacionar uma categoria à subcategoria por meio de declarações que denotem como elas se relacionam umas com as outras.
- Procurar nos dados pistas que denotem como as principais categorias podem estar relacionadas umas com as outras. (RICHARDSON, 2017).
Segundo Sampiere, Collado e Lucio (2013), de todas as categorias codificadas anteriormente na codificação aberta, o pesquisador seleciona a que considera mais importante e a coloca no centro do processo que está sendo explorado (chamada categoria central ou fenômeno-chave). Posteriormente, relaciona a categoria central com outras categorias. Estas podem ter diferentes funções no processo:
- Condições causais (categorias que influenciam e afetam a categoria central);
- Ações e interações (categorias que surgem da categoria central e das condições contextuais e intervenientes, assim como das estratégias);
- Consequências (categorias que surgem das ações e interações e do emprego das estratégias);
- Estratégias (categorias que implementam ações que influenciam a categoria central e as ações, interações e consequências);
- Condições contextuais (categorias que fazem parte do ambiente ou situação e que delimitam a categoria central, que pode influenciar qualquer categoria incluindo a principal);
- Condições intervenientes (categorias que também influenciam outras e que são mediadoras da relação entre as condições causais, as estratégias, a categoria central, as ações e interações e as consequências).
Acodificação axial é parte da análise na qual o pesquisador agrupa “as peças” dos dados identificados e separados por ele na codificação aberta, para criar conexões entre categorias e temas. Durante essa tarefa, constrói um modelo do fenômeno estudado. A codificação axial termina com o esboço de um diagrama ou modelo chamado “paradigma codificado” que mostra as relações entre todos os elementos (condições causais, categoria-chave, condições intervenientes etc.).
Strauss e Corbin concordam com Creswell quando consideram que a categoria central ou chave:
- Deve ser o centro do processo ou fenômeno. O tema mais importante que impulsiona o processo ou explica o fenômeno e que mais contribui para a geração de teoria;
- Todas ou a maioria das demais categorias devem estar vinculadas a ela. Ela é, de fato, a categoria que tem geralmente o maior número de conexões com outras categorias;
- Deve aparecer frequentemente nos dados (na maioria dos casos);
- Sua saturação geralmente é mais rápida;
- Sua relação com as outras categorias devem ser lógicas e consistentes, os dados não devem ser forçados;
- O nome ou frase que identifica a categoria deve ser o mais abstrato possível;
- Conforme a categoria ou o conceito central são aprimorados, a teoria aumenta seu poder explicativo e sua profundidade;
- Quando as condições variam, a explicação continua a mesma; claro que a forma como se mostra o fenômeno ou o processo pode ter variações.
3) Codificação seletiva: processo de integração e refinamento da teoria cujos componentes são:
- Saturação teórica: momento na construção da categoria no qual já não surgem novas relações, dimensões ou propriedades.
- Grau de variabilidade: o grau em que varia um conceito em termos das dimensões de suas propriedades: Essa variação está integrada à teoria através de uma amostragem que busca diversidade e graus nas referidas propriedades.
Nesse processo de integração, o primeiro passo é decidir a categoria central (categoria fundamental) dos dados. Para refinar a teoria, o pesquisador deve rever o esquema teórico dominante (categoria central e subcategorias) em busca de consistência interna e das falhas na lógica, completando as categorias mal desenvolvidas e cortando os excessos. A partir daí se valida o esquema teórico (RICHARDSON, 2017).
Quando já criou o esquema, o pesquisador retoma as unidades ou segmentos para compará-los com o esquema criado para fundamentá-lo. Dessa comparação também surgem hipóteses (propostas teóricas) que estabelecem as relações entre categorias ou temas. E, assim, obtém o sentido de entendimento. No final, escreve uma história ou narrativa que vincule as categorias e descreva o processo ou fenômeno. Nesse caso, é possível utilizar as típicas ferramentas de análise qualitativa (mapas, matrizes etc.). (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
Tipos de Teorias na Pesquisa daTeoria Fundamentada
É necessário esclarecer que Glaser e Strauss entendiam que as teorias seriam classificadas em dois tipos básicos: as formais e as substantivas.
a) Teoria Formal
A teoria formal é composta por aquilo que os autores chamam as “grandes” teorias, conceituais e abrangentes.
b) Teoria Substantiva
Se refere a explicações para situações cotidianas, sendo, portanto, mais simples e acessíveis. É a teoria que se enquadra para o desenvolvimento da grounded theory. É também considerada uma teoria desenvolvida por uma área de investigação empírica. (RICHARDSON, 2017).
A pesquisa da teoria fundamentada é uma metodologia que utiliza um procedimento sistemático qualitativo em sua construção a fim de gerar uma teoria substantiva que explique, em um nível conceitual, uma ação, uma interação ou uma área específica. Essa teoria também é conhecida como de médio porte e pode ser aplicada a um contexto mais concreto. As teorias substantivas são de natureza “local” (estão ligadas a uma situação e um contexto específico). Apesar de suas explicações se limitarem a uma área específica, possui riqueza interpretativa e oferecem novos pontos de vista sobre um fenômeno.
c) Teoria sistematizada
Essa teoria ressalta a utilização de alguns passos na análise dos dados e se baseia no procedimento de Corbin e Strauss. De acordo com os autores, se o procedimento adequado for seguido, qualquer indivíduo poderá elaborar uma teoria substantiva utilizando o procedimento de teoria fundamentada, que logicamente deverá ser comprovada e validada. (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
Nos procedimentos analíticos mais sistemáticos de Strauss e Corbin, o investigador procura desenvolver sistematicamente uma teoria que explique o processo, ação ou interação sobre um tópico. Em sua discussão da teoria fundamentada, Strauss e Corbin dão um passo adiante no modelo para desenvolver uma matriz condicional.
Eles desenvolvem a matriz condicional como um dispositivo codificador para ajudar o pesquisador a fazer conexões entre as condições macro e micro que influenciam o fenômeno. Essa matriz é um conjunto de círculos concêntricos em expansão com rótulos que partem do indivíduo, grupo e organização para a comunidade, região, nação e mundo global. Mas, essa matriz é raramente utilizada na pesquisa de teoria fundamentada, e os pesquisadores encerram seus estudos com uma teoria desenvolvida na condição seletiva, uma teoria que poderia ser encarada como uma teoria substantiva de nível baixo em vez de uma teoria grande e abstrata. (CRESWELL, 2014).
Na medida em que o pesquisador consegue aprender e sistematizar variabilidades (dispersões) encontradas nos dados, ele avança na construção de uma teoria substantiva com forte poder explicativo e coloca à prova sua teoria preliminar, ou seja, proposições (teses) previamente enunciadas. Não é o número de dados investigados que garante a geração de uma teoria substantiva, mas o entendimento e compreensão da variabilidade revelada pelos dados. (MARTINS; THEÓPHILO, 2018).
d) Teoria emergente
Essa teoria ou conceito surgiu como uma resposta de Glaser para Strauss e Corbin. O primeiro autor criticou os outros dois por darem muito valor às regras e aos procedimentos para a geração de categorias, dizendo que a “armadura” que seu procedimento quer desenvolver (diagrama ou esquema fundamentado em uma categoria central) é uma forma de preconceber categorias, cuja finalidade é verificar teoria mais do que gerá-la. Glaser insiste na importância de que a teoria surja dos dados mais do que de um sistema de categorias prefixadas como acontece com a codificação axial.
Na teoria emergente, a codificação é aberta e é dela que surgem as categorias (também por comparação constante), que são conectadas entre si para construir teoria. No final, o pesquisador explica essa teoria e as relações entre categorias. A teoria nasce dos próprios dados, não é forçada em categorias (central, causais, intervenientes, contextuais etc.). (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
A teoria emergente aponta para os próximos passos a serem pesquisados. Dessa forma, o pesquisador é guiado pelas questões de pesquisa definidas inicialmente e pelas lacunas que emergem na teoria que ele está gerando. (MARTINS; THEÓPHILO, 2018).
A teoria emergente, ou seja, a teoria que emerge dos dados revela o comportamento das pessoas em situações específicas. Não podem, portanto, ser entendidas como representativas de uma realidade objetiva, externa aos sujeitos. São a rigor, reconstruções de experiências. (GIL, 2019a).
e) Teoria construtivista
É uma teoria mais recente que busca, acima de tudo, que o foco seja os significados fornecidos pelos participantes do estudo. O interesse é considerar mais as visões, crenças, valores, sentimentos e ideologias das pessoas. E, de alguma forma, critica o uso de certas ferramentas como diagramas, mapas e termos complexos que “embaçam ou encobrem” as expressões dos participantes e a teoria fundamentada. O pesquisador deve ficar bem próximo das expressões “vivas” dos indivíduos, e os resultados devem ser apresentados por meio de narrações (ou seja, apoia a codificação em primeiro plano, aberta, e o posterior agrupamento e vínculo de categorias, mas não em esquemas). (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
É uma variante da teoria fundamentada encontrada na escrita de Kathy Charmaz. Em vez de adotar o estudo de um único processo ou categoria central como na abordagem de Strauss e Corbin, a autora defende uma perspectiva construtivista social que inclui enfatizar mundos locais diversos, múltiplas realidades e as complexidades de mundos, visões e ações particulares. A teoria fundamentada construtivista localiza-se claramente dentro da abordagem interpretativa da pesquisa qualitativa com diretrizes flexíveis, com um foco na teoria desenvolvida que depende da visão do pesquisador, conhecendo a experiência ali incluída, redes ocultas, situações e relações e tornando visíveis as hierarquias de poder, comunicação e oportunidade.
Charmaz coloca maior ênfase nas visões, valores, crenças, sentimentos, suposições e ideologias dos indivíduos do que nos métodos de pesquisa, embora ela descreva as práticas de reunião de dados ricos, codificação dos dados, memorandos e o uso de amostragem teórica. Ela sugere que termos complexos ou jargões, diagramas, mapas conceituais a abordagens sistemáticas (de Strauss e Corbin) prejudicam a teoria fundamentada e representam uma tentativa de ganhar poder no seu uso. Também defende o uso de códigos ativos, como frases em gerúndio, reformulando a vida. Além disso, um procedimento da teoria fundamentada não minimiza o papel do pesquisador no processo. O pesquisador toma decisões sobre as categorias durante o processo, suscita questões para os dados e desenvolve valores pessoais, experiências e prioridades. Para Charmaz, quaisquer conclusões desenvolvidas pelos pesquisadores da teoria fundamentada são sugestivas, incompletas e inconclusivas. (CRESWELL, 2014).
Objetivos da Pesquisa da Teoria Fundamentada
Como a metodologia da pesquisa da teoria fundamentada possui abordagens que variam de acordo com os autores, o objetivo também sofre influência dessa variação. Seguem os objetivos de acordo com os autores pesquisados:
- O objetivo da teoria fundamentada é desenvolver uma teoria baseada em dados empíricos e que pode ser aplicada a áreas específicas. (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
- O objetivo de uma pesquisa da teoria fundamentada é ir além da descrição. É gerar ou descobrir uma teoria, uma explicação para um processo ou ação. (CRESWELL, 2014).
- O objetivo dessa modalidade de pesquisa é gerar teoria. (CORBIN, 2015).
- Para criação da teoria grounded theory, o objetivo mais importante é a tentativa de procurar um paradigma entre o empirismo extremo e o relativismo total, articulando um meio-campo no qual a coleta sistemática de dados possa ser utilizada para desenvolver teorias orientadas à interpretação da realidade dos sujeitos inseridos nos seus contextos sociais. (RICHARDSON, 2017).
- O objetivo do pesquisador na teoria fundamentada não é testar uma teoria, mas entender uma determinada situação, como e por que os participantes agem de determinada maneira e por que essa situação se desenvolve daquele modo. (GIL, 2019a).
- A grounded theory (teoria fundamentada) tem como objetivo proporcionar uma alternativa ao processo de geração dedutiva de teorias sociais. As grandes teorias, sobretudo no campo da sociologia, eram consideradas muito abstratas e, portanto, difíceis de ser testadas empiricamente. Então, objetivando facilitar a explicação da realidade social, foi proposto um método de pesquisa com utilização de teorias indutivas, baseadas na análise sistemática de dados. (GIL, 2019b).
Características de Pesquisa de Teoria Fundamentada
Segundo Sampieri, Collado e Lucio (2013),a principal característica da teoria fundamentada é que os dados são categorizados por codificação aberta, depois o pesquisador organiza as categorias resultantes em um modelo de inter-relações (codificação axial), que representa a teoria emergente e explica o processo ou o fenômeno em estudo.
Para Creswell (2014) existem várias características importantes da teoria fundamentada que podem ser incorporadas a um estudo de pesquisa:
a) O pesquisador focaliza um processo ou uma ação que tem passos ou fases distintas que ocorrem ao longo do tempo. Assim, um estudo de teoria fundamentada possui “movimento” ou alguma ação que o pesquisador está tentando explicar.
b) O pesquisador também procura desenvolver uma teoria desse processo ou ação. Existem muitas definições de uma teoria disponíveis na literatura, mas em geral uma teoria é uma explicação de alguma coisa ou uma compreensão que o pesquisador desenvolve. Essa explicação, ou esse entendimento, é uma reunião, em teoria fundamentada, de categorias teóricas que são organizadas para mostrar como a teoria funciona.
c) Os lembretes se tornam parte do desenvolvimento da teoria quando o pesquisador anota ideias à medida que os dados são coletados e analisados. Nesses lembretes, as ideias tentam formular o processo que está sendo visto pelo pesquisador e esquematizar o fluxo deste processo.
d) A forma primária da coleta de dados é em geral a entrevista em que o pesquisador está constantemente comparando dados provenientes dos participantes com ideias sobre a teoria emergente. O processo consiste em circular entre os participantes, reunindo novas entrevistas e então retornando à teoria em desenvolvimento para preencher as lacunas e estudar como ela funciona.
e) A análise dos dados pode ser estruturada e seguir o padrão de desenvolvimento de categorias abertas, selecionando uma categoria para ser o foco da teoria e depois detalhando categorias adicionais (codificação axial) para formar um modelo teórico. A intersecção das categorias se transforma na teoria (chamada codificação seletiva). Essa categoria pode ser apresentada como um diagrama, como proposições (ou hipóteses) ou como uma discussão. A análise dos dados também pode ser menos estruturada e baseada no desenvolvimento de uma teoria, unindo as peças dos significados implícitos sobre uma categoria.
Richardson (2017), resume a pesquisa de teoria fundamentada em duas características principais:
- Constante comparação dos dados com as categorias emergentes; e
- Amostragem teórica de diferentes grupos para maximizar as semelhanças e diferenças entre a as informações (RICHARDSON, 2017).
Vantagens da Pesquisa de Teoria Fundamentada
Uma das grandes vantagens da teoria fundamentada é que ela é a pedra angular sobre a qual se constroem profissões e da qual emana o conhecimento. A força da teoria fundamentada é que ela está diretamente enraizada nos problemas e nas questões que as disciplinas têm de enfrentar.
Outra vantagem é o processo metodológico descrito na metodologia da teoria fundamentada funciona de fato, e o pesquisador acaba conseguindo ver a história analítica se revelar. Uma das virtudes do método é a de ser capaz de explicar não só como as pessoas experimentam coisas e o significado que elas dão aos acontecimentos, mas também porque e como elas agem/interagem/exprimem emoções em face de suas experiências e dos significados que lhes dão. Talvez o aspecto mais valioso da metodologia da teoria fundamentada seja que ela possa gerar conceitos fundamentados em dados, proporcionando assim os meios para construir conhecimento e estruturas para orientar a prática. (CORBIN, 2015).
A teoria fundamentada é especialmente útil quando as teorias disponíveis não explicam o fenômeno ou a formulação do problema ou, ainda, quando não abrangem os participantes ou a amostra de interesse. (CRESWELL, 2010).
A teoria fundamentada também vai além dos estudos prévios e dos marcos conceituais preconcebidos, procurando novas formas de entender os processos sociais que ocorrem em ambientes naturais. Quando utilizada com grupos e comunidades especiais se mostrou extremamente frutífera (crianças com problemas de atenção, indivíduos com algum tipo de limitação, pessoas analfabetas etc.). É um desenho qualitativo que mostra o rigor e a direção para os conjuntos de dados que avalia. (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
Desvantagens da Pesquisa de Teoria Fundamentada
Num mundo pós-moderno onde nada é “real” e tudo está sujeito a diversos pontos de vista, as metodologias que resultam no desenvolvimento de teorias são frequentemente objeto de críticas que levam a questionar se os métodos que estruturam as teorias realmente explicam como e porque se adquire, processa e usa o conhecimento.
Outra desvantagem é que o processo de desenvolvimento de uma teoria fundamentada é longo e demorado. O pesquisador precisa estar disposto a trabalhar muito e conviver com uma considerável ambiguidade porque no início não há nada nos dados que faça grande sentido. (CORBIN, 2015).
O pesquisador enfrenta a dificuldade de determinar quando as categorias estão saturadas ou quando a teoria está suficientemente detalhada. Uma estratégia que pode ser usada para avançar a saturação é usar amostragem discriminante, em que o pesquisador reúne informações adicionais de indivíduos diferentes das pessoas que inicialmente entrevistou para determinar se a teoria é válida para estes participantes adicionais. Mas não deixa de ser um desafio. (CRESWELL, 2014).
Exemplos da Pesquisa da Teoria Fundamentada
Um exemplo amplo para uma pesquisa da teoria fundamentada se refere ao processo de recuperação de acidentados no trânsito. Nesse processo, podem-se entrevistar, além dos próprios pacientes, também, médicos, enfermeiras, pessoas da família e visitantes. (GIL, 2019b).
Outro exemplo de estudo baseado na teoria fundamentada ocorre com a análise de como o estilo de vida militar afeta o trabalho de mil mulheres casadas com membros do exército americano, assim como suas experiências e percepções. (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).
Elementos da Pesquisa de Teoria Fundamentada
Segundo Corbin (2015), há certos elementos básicos que transcendem, técnicas e procedimentos que, se usados como previsto, permitem aos pesquisadores elaborarem teoria fundamentada de qualidade. Os elementos básicos são:
a) Descrição: é um relato ou narração de eventos ou acontecimentos organizado em torno de temas centrais e, com frequência, usando as palavras de participantes para contar a história da pesquisa. A pesquisa descrição pode ser fundamentada, rica e profunda, mas descrição não é teoria.
b) Teoria: é um conjunto de conceitos que se integram em torno de um tema central para formar um arcabouço teórico que possa servir para explicar o porquê, o quê e o como dos fenômenos. Por certo, há elementos de descrição na teoria, mas esta leva a descrição a um nível superior de abstração ao integrar questões e categorias ao redor de um tema central mediante a afirmação das relações propostas.
c) Teoria fundamentada: é aquela que se fundamenta de dados qualitativos. Ela dá uma explicação possível de como e por que pessoas, grupos, organizações/interagem emocionalmente diante dos eventos, acontecimentos, situações e problemas com que se deparam na vida.
d) Codificação: é o nome dado ao processo de fazer análise. Os resultados da análise são conceitos que se denominam conceitos ou códigos.
e) Análise: é o ato de examinar, interpretar, conceituar, reduzir e integrar dados. A análise pode ser de um grande volume de dados ou parágrafos ou pode se focar mais em uma palavra ou frase, em cujo caso o processo se denomina microanálise. Às vezes chamada de análise linha, a microanálise é aquela que se concentra em determinada linha ou frase dos dados. Por ser muito intensa e levar muito tempo, esta forma de análise não é utilizada de início ao fim de um estudo. Entretanto, ela é útil em diferentes pontos do processo de pesquisa como, por exemplo, ao começar um estudo ou quando o pesquisador fica preso numa “rotina conceitual” (parece não conseguir ir além das formas comuns de pensar sobre um conjunto de dados).
f) Conceitos: são interpretações abstratas de dados. São palavras que representam eventos, acontecimentos, situações e problemas descritos nos dados conforme o olhar do pesquisador. Os conceitos são mais úteis que a paráfrase porque com eles os pesquisadores podem agrupar dados que têm um elemento ou propósito em comum sob um mesmo título. Isto diminui a quantidade de dados com que os pesquisadores têm de lidar e lhes permite reunir eventos similares sob o mesmo título.
g) Categorias: muitas vezes chamadas de “temas”, são conceitos mais abstratos e de nível superior que agrupam conceitos de nível inferior. No andamento do estudo de uma pesquisa vão surgindo muitos conceitos, mas apenas uns poucos chegarão ao status de categoria tema. Ao longo da pesquisa há um processo de concentração e rearranjo de conceitos. E só quando a pesquisa avança que o pesquisador pode determinar quais conceitos são categorias e quais conceitos e subconceitos são propriedades e dimensões dessas categorias.
h) Propriedades e dimensões: são os descritores ou qualificadores conceituais de cada categoria. As propriedades e dimensões definem e diferenciam cada categoria. Elas conferem-lhe especificidade, fornecem variação e detalhe e mantêm a teoria fundamentada em dados. As propriedades e as dimensões também ajudam os pesquisadores a reconhecer padrões e estabelecer relações entre categorias.
g) Categoria central: é o conceito mais abstrato e de nível mais elevado da pesquisa. Ela é a fibra teórica que une as outras categorias num todo explicativo. Pode ser que um pesquisador tenha dez categorias principais, mas não haverá teoria alguma enquanto essas categorias não estiverem reunidas sob um conceito mais abrangente que incorpore todas elas mediante afirmações de relação. A categoria central resulta dos dados e é frequentemente um dos conceitos percebidos mais cedo na pesquisa. Assim que tiver escolhido uma categoria central, o pesquisador terá de integrar todas as demais categorias e subcategorias (conceitos de nível inferior) em torno dela. Se não conseguir fazer isso, o pesquisador tem de voltar aos dados e apresentar outra categoria central que funcione para unificar as demais.
i) Comparar: é o procedimento analítico de examinar diferentes dados para perceber semelhanças e diferenças conceituais. Conceitos com características ou finalidades similares podem se agrupar sob o mesmo título conceitual.
j) Fazer perguntas: sobre os dados é outro procedimento para sondá-los durante a análise. Ao perguntarem, os analistas fazem comparações como “este dado é igual ou diferente daquele?” ou “qual a ideia mais ampla indicada por este conceito?” Perguntas do tipo quem, o que, quando, por que, onde e como também ajudam os analistas a perceberem propriedades e dimensões e propõem ideias para amostragem teórica.
l) Contexto: representa o conjunto de condições estruturais em que se situam as ações, interações e emoções. A ação não ocorre sem mais nem menos, ocorre em resposta a alguma coisa. Os teóricos fundamentados são diferentes de outros pesquisadores qualitativos. A eles interessa não só como as pessoas ou grupos experimentam eventos, mas também como reagem em termos de ação, interação e emoção, com base nos significados que eles atribuem a metas, eventos, situações ou problemas. As condições podem facilitar ou limitar a resposta a situações e acontecimentos mediante ação, interação e emoção.
m) Processo: representa mudanças que se dão no fluxo da ação/interação/emoção ao longo do tempo em função de mudanças das condições de contexto. O contexto e o processo estão entrelaçados porque a ação/interação/emoção ocorre em resposta ao contexto e pode ser situada dentro dele. Quando as condições mudam, são necessários ajustes nas atividades, na interação e nas respostas emocionais.
n) Memorandos e diagramas: são os registros escritos de análises e descrições das relações entre os conceitos. Os memorandos e diagramas estão no âmago da análise qualitativa porque não existe outra maneira de se registrar o que o pesquisador pensa ou faz enquanto trabalha com os dados. A redação de memorandos começa com as primeiras sessões analíticas e prossegue até a etapa da relação final. Os memorandos ganham complexidade, extensão e conteúdo ao longo do tempo.
o) Amostragem teórica: é a coleta de dados baseada em conceitos gerados a partir de dados. Em teoria fundamentada, as amostras não são de pesquisa e sim de conceitos. Para fazer a amostragem teórica o pesquisador segue a orientação dos dados, perguntando sobre conceitos importantes e depois saindo em campo à procura de respostas.
p) Sensibilidade teórica: é a capacidade do analista de responder a nuanças ou significados implícitos nos dados. Ela aumenta com o tempo, à medida que os analistas “trabalham” com dados.
q) Saturação: é o ponto do processo de pesquisa em que o pesquisador determina que as categorias estão totalmente desenvolvidas no que tange a suas propriedades e dimensões. Isto significa que as categorias apresentam variação e profundidade e que já se estabeleceram as relações entre os conceitos. Saturação não é apenas “ausência de novas categorias”. As categorias também devem estar bem desenvolvidas e não haver algumas categorias mais desenvolvidas do que outras. Claro que a coleta de dados não pode continuar eternamente e muito do que o pesquisador fica sabendo pouco depois é redundante. Portanto, o pesquisador tem de decidir quando parar de colher dados em função do tempo e custo.
Referências Bibliográficas:
CORBIN, Juliet. Teoria Fundamentada em Dados. In: SOMEKH, Bridget; LEWIN, Cathy. Teoria e Métodos de Pesquisa Social. Tradução: Ricardo A. Rosenbush. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. P.161-165.
CRESWELL, John W. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Tradução: Magda Lopes. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
CRESWELL, John W. Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre abordagens. Tradução: Sandra Mallmann. 3. ed. Porto Alegre: Penso, 2014.
GIL, Antonio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2019a.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2019.b.
MARTINS, Gilberto de Andrade; THEÓPHILO, Carlos Renato. Metodologia da Investigação Científica para Ciências Sociais Aplicadas. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2018.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 4. ed. São Paulo: Atlas 2017.
SAMPIERI, Roberto Hernandéz.; COLLADO, Carlos Fernandéz; LUCIO, María del Pilar Baptista. Metodologia da Pesquisa. Tradução: Daisy Vaz de Moraes. 5. ed. Porto Alegre: Penso, 2013.
YIN, Robert K. Pesquisa Qualitativa do Início ao Fim. Tradução: Daniel Bueno. Porto Alegre: Penso, 2016.