A dialética significa arte do diálogo, arte de debater, raciocinar. Desse conceito inicial de equivalência de dialética e diálogo, chegou-se ao de argumentação que distingue conceitos. Não tem pois o conceito de dialética uma significação única. Ao longo do tempo, ele vem recebendo diversos significados. É um método utilizado na análise da realidade. (MEDEIROS, 2019).
Origem e História do Método Dialético
De origem grega (dialektiké = discursar, debater), a dialética está vinculada ao processo dialogado de debate entre posições contrárias, e baseada no uso de refutações ao argumento por redução ao absurdo ou falso.
O conceito de dialética é bastante antigo. Platão utilizou-o no sentido de arte do diálogo. Na Antiguidade e na Idade Média o termo era utilizado para significar simplesmente lógica. A concepção moderna de dialética, no entanto, fundamenta-se em Hegel. Para esse filósofo, a lógica e história da humanidade seguem uma trajetória dialética, nas quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas contradições que passam a requerer solução. (GIL, 2019).
O Método dialético penetra o mundo dos fenômenos através de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade. (MARCONI; LAKATOS, 2019).
O conceito de dialética atingiu seu auge com Hegel, depois reformulado por Marx, busca interpretar a realidade partindo do pressuposto de que todos os fenômenos apresentam características contraditórias organicamente unidas e indissolúveis. Na dialética proposta por Hegel, as contradições transcendem-se, dando origem a novas contradições que passam a requerer solução. Empregado em pesquisa qualitativa, é um método de interpretação dinâmica e totalizante da realidade, pois considera que os fatos não podem ser relevados fora de um contexto social, político, econômico etc. Em síntese, o método dialético parte da premissa de que, na natureza, tudo se relaciona, transforma-se e há sempre uma contradição inerente a cada fenômeno. Nesse tipo de método, para conhecer determinado fenômeno ou objeto, o pesquisador precisa estudá-lo em todos os seus aspectos, suas relações e conexões, sem tratar o conhecimento como algo rígido, já que tudo no mundo está sempre em constante mudança. (PRODANOV; FREITAS, 2013).
A concepção hegeliana de dialética é de natureza idealista, pois admite a hegemonia das ideias sobre a matéria. Essa concepção foi criticada por Karl Marx e Friedrich Engels, que “viraram a dialética de cabeça para baixo” e apresentaram-na em bases materialistas, ou seja, admitindo a hegemonia da matéria em relação às ideias. A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as mudanças qualitativas, opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que a ordem quantitativa se torne norma. Assim, as pesquisas fundamentadas no método dialético distinguem-se bastante das pesquisas desenvolvidas segundo a ótica positivista, que enfatiza os procedimentos quantitativos. (GIL, 2019).
O que é Método Dialético?
Segundo Hegel, o método dialético é “a conciliação dos contrários nas coisas e no espírito”. (MICHEL, 2015).
É a modalidade de método científico que penetra o mundo dos fenômenos através de uma ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade. (MARCONI; LAKATOS, 2018).
Características do Método Dialético
O método dialético é um método utilizado nas pesquisas sociais e possui como características principais o uso da discussão, da argumentação dialogada e da provocação. (MICHEL, 2015).
Considerado uma Ciência por seus seguidores, o materialismo dialético é a única corrente de interpretação dos fenômenos sociais que apresenta princípios, leis e categorias de análise. (RICHARDSON, 2017).
A dialética nos fornece os fundamentos para fazermos um estudo em profundidade, visto que o método dialético requer o estudo da realidade em seu movimento, analisando as partes em constante relação com a totalidade. Nessa perspectiva, queremos dizer que, em pesquisa qualitativa, além de ser recomendável a utilização dos fundamentos da dialética, além de ser recomendável a utilização dos fundamentos da dialética, é preciso ter uma visão holística e sistêmica da realidade em estudo. Também é interessante entender que, ao optar pela utilização do método dialético, deve-se levar em consideração as duas características essenciais dele. (OLIVEIRA, 2018).
Argumentos do Método Dialético
Segundo Richardson (2017), os argumentos da dialética dividem-se em três partes: a tese, a antítese e a síntese.
a) Tese: refere-se a um argumento que se expõe para ser impugnado ou questionado
b) Antítese: é o argumento oposto à proposição apresentada na tese.
c) Síntese: é uma fusão das duas proposições anteriores que retêm os aspectos verdadeiros de ambas as proposições, introduzindo um ponto de vista superior.
Princípios do Método Dialético
De acordo com Richardson (2017) são dois os princípios fundamentais do materialismo dialético:
a) Princípio da conexão universal dos objetos e fenômenos
Característica essencial da matéria é a interconexão entre objetos e fenômenos. Não pode existir um objeto isolado de outro. Todos os fenômenos da natureza estão interligados e determinados mutuamente. O aparecimento, a mudança ou o desenvolvimento de um fenômeno só é possível em interligação com outros sistemas materiais (mudanças em um traz mudanças em outros). Nada pode existir fora dessa ligação. Qual a diferença com o sistema positivista-funcionalista? Para o materialismo dialético, a interligação dos fenômenos está determinada por leis objetivas. Por exemplo, João não existe sem o homem, o homem não existe sem João; a Revolução Cubana não existe sem a revolução, a revolução não existe sem a Revolução Cubana.
b) O princípio de movimento permanente e do desenvolvimento
Tudo está em movimento. A fonte do movimento são as contradições internas de um objeto ou fenômeno. A causa do desenvolvimento da sociedade e da natureza está nelas, não fora. Essa é uma diferença fundamental em relação a outras concepções que explica o movimento por forças externas (impulso inicial, ser supremo etc.). O desenvolvimento é resultado da acumulação de mudanças quantitativas e de sua passagem para as qualitativas – transformação qualitativa dos objetos.
Leis do Método Dialético
Em termos gerais, a dialética obedece a princípios dos silogismos formais. (RICHARDSON, 2017).
Segundo Marconi e Lakatos (2018), os diferentes autores que interpretaram a dialética materialista não estão de acordo com quanto ao número de leis fundamentadas do método dialético: alguns apontam três e outros quatro. Quanto a denominação e à ordem da apresentação, estas também variam. Numa tentativa de unificação, diríamos quatro leis fundamentais são:
a) Ação recíproca, unidade polar ou “tudo se relaciona.
Os fenômenos são constituídos por aspectos contraditórios e conflitantes; também se diz ação recíproca, na qual há uma unidade polar em que todos os aspectos da realidade se relacionam. Todavia, esses opostos não se colocam lado a lado, mas em estado de constante luta, o que se constitui em fonte de desenvolvimento da realidade. (MEDEIROS, 2019). Todos os objetos e fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que são organicamente unidos e constituem a indissolúvel unidade dos opostos. Os opostos não se apresentam simplesmente lado a lado, mas num estado constante de luta entre si. A luta dos opostos constitui a fonte do desenvolvimento da realidade. (GIL, 2019).
b) Mudança dialética, negação da negação ou “tudo se transforma”.
Interpenetração de contrários, em que se observa a luta dos contrários. tudo se tudo se transforma. Temos aqui a passagem da quantidade à qualidade, ou mudança qualitativa. Mudanças quantitativas processadas gradualmente resultam em mudanças qualitativas que se operam por saltos (elevando-se gradualmente a temperatura da água, num processo de mudança quantitativa, chegamos a uma mudança qualitativa, brusca, quando sua temperatura alcança 100%: sua transformação em vapor).
As mudanças não são, pois, indefinidamente quantitativas. A realidade é movimento que por sua vez, é uma luta de contrários (as contradições internas a um fato ou fenômeno geram seu desenvolvimento; algo como uma semente que dá origem a uma planta que dá origem a outra semente; trata-se de negação da negação). A contradição é também inovadora: um resultado atual suplanta uma fase anterior. Finalmente, a contradição constitui uma unidade de contrários, de termos que se opõem. (MEDEIROS, 2019).
A mudança nega o que é mudado e o resultado, por sua vez, é negado, mas esta segunda negação conduz a um desenvolvimento e não a um retorno ao que era antes. (GIL, 2019).
c) Passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa.
Quantidade e qualidade são características imanentes a todos os objetos e fenômenos e estão inter-relacionados. No processo de desenvolvimento, as mudanças quantitativas graduais geram mudanças qualitativas e essa transformação se opera por saltos. (GIL, 2019).
d) Interpretação dos contrários, contradição ou luta dos contrários.
Ligada ao princípio da conexão universal, os aspectos, elementos ou forças internas de um fenômeno ou objeto excluem-se mutuamente, são contrários. Mas não podem existir uns sem os outros. O movimento é produzido devido a essa contradição. (RICHARDSON, 2017).
Categorias do Método Dialético
As categorias são os conceitos básicos que refletem os aspectos essenciais, propriedade e relações dos objetos e fenômenos. São objetivas e cabe destacar que todas as categorias estão relacionadas umas com as outras. Portanto, a análise de um objeto ou fenômeno não precisa ser feita com todas, basta escolher uma delas. As categorias são indispensáveis para o conhecimento dos fenômenos e para compreensão científica da matéria. É por isso que devem fazer parte do conteúdo metodológico da investigação científica. O mundo que nos rodeia exige o conhecimento das leis e categorias dialéticas (RICHARDSON, 2017):
a) 1ª Categoria: individual-particular-geral
Todo objeto, todo fenômeno do mundo que rodeia têm características específicas próprias. É impossível encontrar dois objetos iguais. Até as folhas de uma mesma planta distinguem-se pelo aspecto. Ao mesmo tempo, não há no mundo objetos ou fenômenos que não possuam traços comuns com outros objetos ou fenômenos. As folhas de uma planta, apesar de diferentes, têm características comuns que permitem distingui-las de outra planta.
b) 2ª Categoria: causa-efeito
Causa é o fenômeno que produz outro fenômeno. Efeito é o resultado produzido pela causa. Exemplo: o aquecimento da água causa uma mudança de seu estado de agregação. Na vida real, a mesma causa pode provocar consequências diferentes em função das condições. Quando falamos de causa-efeito não podemos confundir com motivos. Os motivos precedem imediatamente o efeito. Não são causa, são impulsos para a ação do acontecimento. É fundamental para ciência pois conhecendo as causas, o homem pode contribuir para a ação dos fenômenos, acelerar fenômenos úteis (colheita) e restringir os nocivos (doenças). Enquanto não for descoberta a causa de um fenômeno, permanece oculta a natureza.
c) 3ª Categoria: necessidade-casualidade
Necessidade é o que deve ocorrer em determinadas condições. As precipitações atmosféricas na forma de chuva ou granizo em condições determinadas são uma necessidade; o assalariado na produção capitalista é uma necessidade. Casualidade é o que pode ocorrer ou não em determinadas condições. O prejuízo que o granizo produz em determinada plantação; o assalariado na escravidão. A história da humanidade está marcada por diversos “acidentes” que constituem uma casualidade e formam parte do desenvolvimento. Os avanços ou retrocessos no processo de desenvolvimento dependem muito desses acidentes históricos. Assim, uma pesquisa histórica não pode deixar de considerar a casualidade na análise de qualquer fenômeno.
d) 4ª Categoria: essência-aparência
Ao conhecer um objeto ou fenômeno, o que primeiro constatamos são seus aspectos exteriores: cor, dimensões, configurações, comportamento etc. Após um estudo mais aprofundado, estamos em condições de compreender sua essência. A aparência é parte superficial, mutável de um fenômeno ou da realidade objetiva. É uma forma de expressão da essência e depende dela. A essência é parte mais profunda e relativamente estável do fenômeno ou da realidade objetiva. Está oculta debaixo de aparências. Assim todo objeto ou fenômeno se apresenta como um conjunto de aspectos exteriores que possuem características essenciais. Exemplo: os empréstimos do Governo Federal aos bancos privados.
Seguindo as ideias de Marx, não pode existir ciência sem uma análise das aparências e essência de um fenômeno. A aparência é apenas uma manifestação da essência.
e) 5ª Categoria: conteúdo-forma
O conteúdo é o conjunto de elementos, interações e mudanças características de um fenômeno. Exemplo: forças produtivas (instrumentos de produção e homens). A forma é o sistema estável das relações entre elementos de um objeto ou fenômeno. Exemplo: (relações de produção). Qualquer objeto ou fenômeno consiste em diversos elementos e nos processos que compõem o conteúdo. Devemos lembrar que a simples soma das partes não constitui o objeto. Para fazer um automóvel, uma montadora tem que colocar todas as peças numa ordem determinada, dar-lhes a estrutura correspondente; em outras palavras, uma forma.
f) 6ª Categoria: possibilidade-realidade
Possibilidade é o que pode surgir pela uniformidade do desenvolvimento, mas que ainda não aconteceu. Exemplo: possibilidade de preservar a paz; possibilidade de acabar com a dependência dos países do Terceiro Mundo; possibilidade de acabar com o analfabetismo brasileiro. Realidade é o que já aconteceu. Exemplo: não existe paz; não acabou a dependência dos países de Terceiro Mundo; e não acabou o analfabetismo brasileiro. Os objetos ou fenômenos não existem eternamente. Podem surgir, tornar-se realidade só quando existem as respectivas condições. O conjunto dessas condições representa a possibilidade de surgimento do objeto ou fenômeno.
Exigências e cuidados do Método Dialético
Para Richardson (2017), podemos estabelecer as seguintes exigências e cuidados da dialética como método:
Exigências da Dialética como Método
a) Objetividade da análise: o objeto deve ser estudado em todos seus aspectos e conexões. Prioritário é o estudo da essência do fenômeno. Deve-se dar um quadro realista (realidade objetiva) do fenômeno, mostrar tendências do desenvolvimento e forças que o determinam.
b) Análise completa dos elementos e processos: suas propriedades, conexões e qualidades.
c) Procurar causas e os motivos dos fenômenos.
d) Análise historicamente concreta dos fenômenos e processos sociais: considerar o lugar (espaço) e o período de duração (tempo). Não esquecer as conexões históricas fundamentais.
Cuidados da Dialética como Método
a) Consciência metódica: reflexão crítica que descobre as conexões entre fenômenos.
b) O trânsito entre o individual e o geral e vice-versa: procurando compreender sua unidade.
c) Preocupação com a análise da totalidade: incluindo as partes.
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Referências Bibliográficas:
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do Trabalho Científico. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2018.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: prática de fichamentos, resumos, resenhas. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
MICHEL, Maria Helena. Metodologia e Pesquisa Científica em Ciências Sociais: um guia prático para acompanhamento da disciplina e elaboração de trabalhos monográficos. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como Fazer Pesquisa Qualitativa. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
PRODANOV, Cleber Cristiano.; FREITAS, Ernani Cesar de Freitas. Metodologia do Trabalho Científico [recurso eletrônico]: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 4. ed. São Paulo: Atlas 2017